dezembro 06, 2010

Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa


"Nós canto-falamos como quem inveja negros
que sofrem horrores no gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
e deixa que digam, que pensem que falem."
(Língua - Caetano Veloso)


Resumão da vida e obra de Bakhtin, o livro/ensaio de Robert Stam traz ao contexto do final do século XX, os anos 80/90, o legado que Bakhtin deixou ao morrer em meados dos anos 60 e atualiza suas teorias, que agiam preferencialmente na linguagem verbal, para a linguagem do cinema. Stam justifica seu posicionamento teórico e crítico nos próprios escritos do russo – apesar de ele nunca ter delineado nenhum comentário sobre a “máquina-cinema” que com certeza viu surgir e se renovar – mas a noção dialógica que Bakhtin concedia a linguagem, anti logocêntrica e estruturalista, além de outros conceitos seus como o da carnavalização, são perfeitamente aplicáveis nas teorias do cinema novo e contemporâneo.

O livro traz em primeiro plano e, cronologicamente, cada obra escrita por Bakhtin, o momento que passava em sua vida durante a escrita destas, os motivos que o levaram a ser exilado da Rússia no stalinismo e supõe, por isso, talvez, o grande hiato que existe entre a produção de sua obra e seu reconhecimento acadêmico e teórico pela comunidade.

Por mais variadas que sejam as pesquisas do russo, alguns conceitos e temas nunca o escapam e sempre se repetem, muitas vezes por outros nomes: dialogismo, carnavalização, polifonia e o erotismo grotesco. Sua teoria não foi feita para impor-se perante alguma outra, mas para cultivar o diálogo, a comunicação entre as diferentes partes. Assim, pretendia desestruturar toda e qualquer idéia de hegemonia, pois fica claro que em um espaço ideal onde todas as vozes podem ser ouvidas e colocadas em jogo discursivo, a monovoz da hegemonia desaba.

Bakhtin escrevera uma diversidade extraordinária de textos, que abordam diferentes autores – Dostoievsky, Rebelais – e temas – Idade Média, poética russa, narrativa, polifonia. A contribuição desses estudos são perceptíveis em diversas áreas da Literatura e da Linguística atuais, mas nesse livro o olhar bakhtiniano é voltado para as grandes telas, os holywoodianos, o cinema.

O cinema é a arte cultural por natureza. A sua meta-ultrarrealidade tem o poder de revelar, balançar e balancear qualquer ordem imposta impositivamente, um dos pontos caros às teorias de Bakhtin. Esse balanceamento pode ser feito usando qualquer uma das outras idéias bakhtinianas como tema: filmes que tematizam os carnavais, que retratam a vida exagerada e obscena da nobreza, a própria pornografia como imagem do corpo grotesco e livre – pelo menos, em análises preliminares – a guerra, o sangue, a carnificina, etc. Enfim, temas e teorias muito caras ao cinema contemporâneo, mesmo os de mais pompa, como os besteiróis americanos.

Brilhante livro de Robert Stam que, mesmo não tendo nascido no Brasil, é grande conhecedor do nosso país e do cinema brasileiro e faz uma pequena dedicatória aos estudiosos do cinema e de Bakhtin no Brasil, em sua introdução.

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