“que cê disse, menino?
o que você ouviu: um susto que adquiriu compreensão, isso era Hillé.”
(HILST, p. 89)
Das lendas que correm sobre as insaciáveis mulheres de Jorge Amado em sua literatura, nenhuma das que ouvi dizer – pois sendo que nunca li – foi capaz de equiparar-se a sede de descoberta, de vontade de saber, quase carnal – de quem quer saber, mas não só saber; sentir que sabe, no sangue, nas entranhas – sede sexual de compreender, de Hillé, a obscena senhora D: D de Derrelição, desamparo, abandono. Não há o que equiparar-se, talvez, pois não se pode comparar literaturas a níveis ou processos cumulativos de mais ou menos. O que quis inferir no tocante a comparação foi da minha própria excitação intensa e erigida ao beber das palavras de Hilda.
As pernas que se abriam para o sorver de Ehud, para o sexo de Ehud, eram as próprias páginas do livro aberto – dilata-se as pupilas e os poros, oros, orifícios; as pernas que se abriam tinham uma mente já tão escancarada que de tudo duvidava e enquanto tentava entender o próprio compreender, deixava-se foder por Ehud, ele, incapaz de responder-lhe, pois quem poderia,se Hillé ainda procurava a pergunta. Mas não passava mais de que uma (das várias) lembranças: Ehud já morrera, há alguns anos, por volta dos 60/70 anos, e Hillé era apenas uma velha que vivia, já desde antes da morte do marido, ao pé da escada e lá, procurava, sem saber o que, mas procurava.
A Obscena Senhora D narra, rapidamente – pouco mais de oitenta páginas – a trajetória de uma mulher, solitária, que decidira isolar-se do mundo, das convenções, mas sem desaparecer do mundo (o que com certeza, gera incomodações daqueles que querem a vida retilínea e objetiva de convencionalidades e a odiavam, os vizinhos); uma mulher que de tão inteligente desiste de conceder toda e qualquer idéia: “Hillé, andam estranhando o teu jeito de olhar / que jeito? / você sabe / é que não compreendo / não compreende o quê? / não compreendo o olho, e tento chegar perto.” (p. 21).
A natureza forte e questionadora de Hillé, provoca em nós, seus leitores, o próprio desejo de se perguntar, mas como não sofremos como ela (ou talvez, muito pelo contrário, sofremos, diferentemente dela) as indagações da Senhora D soam como ferinas ironias, desmistificadoras, anti-sacras: “Ai, Senhor, tu tens igual a nós o fétido buraco?” (p. 45). E se, então, deus possuísse cu? lá atrás dele, comprimido escondido, podre? Orgulharíamo-nos, ainda, de nossa posição na política, na sociedade, no “pálido ponto azul”, de sermos o espirro sujo “desse” deus?
Excelente leitura e instantânea ,até, para aqueles que como Ehud, sentem sede de Hillé, de seus grandes e ainda firmes seios ou de suas dúvidas – que no frigir dos ovos, dependerá na verdade da sede de cada um.