fevereiro 28, 2011

Cisne Negro


De várias maneiras eu poderia falar do filme e de diversas dimensões de análises (psicológica, literária, cinematográfica), no entanto, vou preferir a me ater com dois aspectos que me são mais caros: a análise comparatista e a metalinguagem dentro do filme.

O que, no frigir dos ovos, caracterizam um discurso de uma faceta só: comparar o Cisne Negro (2010) com o balé clássico homônimo, ou com as várias e anteriores adaptações do mesmo – até mesmo, dentro do anime Cavaleiros do Zodíaco – é expor o aspecto principal da atual adaptação (pelo menos, o que mais chamou atenção) da narrativa que conta a si própria.

Se eu me reter a atuação dos atores, da construção dos personagens, das minúcias do enredo, meu texto vai se tornar enfadonho, mas temo que, a não fazê-lo, o que descrevo possa parecer depreciativo. Porém, já de alertas dados, encabecemos: a história do filme, “o final do filme” é entregado desde as primeiras cenas. O diretor não só aponta o desfecho, ou expõe-nos pequenos vislumbres: ele ‘conta’, com palavras.

Thomas Leroy (Vincent Cassel), após escolher os dançarinos, fala que fará “a sua versão do Cisne Negro”. É nele, no diretor personagem, que o diretor do filme (Darren Aronofsky) decide falar aos espectadores. Vejam que, no enredo, não dança-se exatamente “uma versão” do Cisne Negro; não há indicações de que o enredo do balé sofrerá modificações, para que então possa-se considerar uma versão: o filme, em si, é que é uma versão do aclamado balé. O filme, como um todo, é a versão do Cisne Negro da qual fala o personagem de Cassel.

Thomas nos avisa que Nina (Natalie Portman) é perfeita para o papel do Cisne Branco, mas não de sua irmã gêmea, mesmo assim, a escolhe para o papel. E é ele quem a submete à tarefa de tirar de dentro de si o Cisne Negro e a ensina como fazê-lo, a induz à fazê-lo, a pressiona (inclusive com a escolha para substituta, sua Lily): a eterna iluminação da sapiência e do caráter divino do diretor – do autor.

Desesperado, com o dia da apresentação chegando, Thomas se torna mais radical e alerta a Nina: “O seu único obstáculo é você mesma”. Ele não quer mais simplesmente resgatar o Cisne Negro, mas exorcizar o Branco, matá-lo: o diretor do filme, pela voz do diretor do balé, avisa-nos do fim de Nina.

O cume dessa trama, não é a cena da morte do Cisne Branco no balé (e de Nina) – o fim do filme. Porém, muito antes no florescer do Cisne Negro e no beijo, depois da dança, adivinhem em quem: no diretor. O sinal de agradecimento e paixão serviçal por aquele que a salvou da torre em que estava presa, do corpo didático de Nina, do dragão que a impedia de bater suas asas, da decência, da disciplina. Toda história de amor tem um príncipe encantado e todo filme é uma história de amor: o príncipe de Cisne Negro é a figura shamânica do diretor.

No mais, brilhante e impecável atuação de Portman, merecido Oscar – apesar de não confiar muito nessas premiações de gala onde pessoas manipulam grandes espetáculos para bem-dizer a si próprias, criando a impressão que quem louva somos nós, aleluia, aleluia.